Logística de transportes está adaptada à nova realidade, dizem especialistas
Durante a pandemia da Covid-19, os caminhões continuaram nas estradas brasileiras transportando produtos agrícolas, alimentos e outros itens essenciais, que tinham como destino o mercado doméstico ou os portos para exportação. A necessidade de distanciamento social para evitar a disseminação da doença impôs desafios, mas, quase 10 meses após a chegada do novo coronavírus ao Brasil, empresas e outros players que atuam na logística de transportes do agronegócio já estão mais adaptados à nova realidade, em que a digitalização ganhou espaço. E a expectativa é de mais um ano favorável, em boa parte, também, graças aos avanços na infraestrutura das estradas que ligam o Centro-Oeste, maior produtor de grãos do país, aos portos do chamado Arco Norte.
Participante do evento virtual “Logística do Agro na pandemia”, do 8º Fórum Caminhos da Safra, Silvio Munhoz, diretor de vendas de soluções da Scania no Brasil, disse que a fabricante de caminhões pesados “vinha bem em janeiro e fevereiro” deste ano, mas no fim de março, com a pandemia, foi necessário parar a produção. “Paramos tudo. Todo mundo foi para casa. Ficamos 30 dias parados, sem nenhum tipo de produção, sem nenhuma atividade, só mantendo contato comercial com concessionários e clientes, num desafio enorme de apoiá-los para manter as oficinas abertas”. Isso porque os caminhões continuavam a rodar, necessitando de manutenção.
Desde maio, a produção da Scania na fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, foi retomada, porém a forma de trabalho mudou. Antes da pandemia, a unidade trabalhava com um turno na linha de montagem dos caminhões. Mas para garantir o distanciamento e a segurança dos empregados da fábrica, passou a trabalhar em dois turnos, produzindo a mesma quantidade de veículos, de acordo com Munhoz. Já a área administrativa, que vinha fazendo rodízio entre home office e escritório, vai trabalhar de casa até o fim de janeiro em decorrência da recente nova onda de contágio no Brasil.
Principal cliente da indústria de caminhões pesados no Brasil, o agronegócio ajudou a impulsionar a Scania este ano e isso deve persistir em 2021. “Entramos o ano com volume de encomendas do agro importante para pegar a safra (..). Entregamos esses caminhões, o ciclo de pedidos diminuiu em função da sazonalidade, mas tivemos agora um aquecimento fantástico do segmento”, relatou. A maior renda no setor agrícola fez com que o volume de caminhões comercializados pela multinacional sueca para o segmento fosse recorde. “Estamos entrando em 2021 com quase cinco meses de produção já vendidos e o grande cliente é o agronegócio”, revelou.
Digitalização
Para Federico Vega, CEO da Cargo X, a pandemia, num ano de safra recorde, promoveu a digitalização no mercado de transportes. A empresa fundada em 2013 é um marketplace de fretes, que oferece soluções de tecnologia para gestão e capital de giro para transportadoras e pequenos empreendedores frotistas. Também conecta embarcadores, transportadores e motoristas autônomos de caminhões para o transporte de cargas.
Essa digitalização acabou sendo positiva para a Cargo X, afirmou o executivo na live do Caminhos da Safra, sem esquecer de mencionar, no entanto, os efeitos negativos causados pela Covid-19. Segundo Vega, no início da pandemia, o cenário era de volumes recorde de grãos como milho, soja e arroz destinados à exportação, graças a uma maior demanda global e também ao dólar mais valorizado. As empresas de transporte pequenas e médias, contudo, não conseguiam financiamento para capital de giro, num momento em que, além de excesso de cargas, o diesel registrava queda de 20% e havia excedente de caminhões no mercado.
Nesse ambiente, a Cargo X foi buscar recursos de investidores estrangeiros para financiar pequenos e médios transportadores. “O que vimos foram empresas que precisavam de capital de giro [para financiar os transportes], tínhamos essa ferramenta de oferecer capital de giro e um mercado muito mais digitalizado”, disse Vega. “Fomos nos investidores americanos e falamos: ‘temos uma oportunidade gigante aqui, com empresas de transporte de cargas que precisam de capital’”, acrescentou.
Em maio, a Cargo X obteve R$ 500 milhões de bancos de investimentos estrangeiros, que estão sendo aplicados basicamente em oferta de capital de giro e de tecnologias para reduzir o contato físico e evitar a Covid-19.
Vega avalia que, no médio prazo, o mercado de transportes no Brasil, de maneira geral, será beneficiado porque as empresas estão mais digitalizadas, o que gera mais eficiência. As operações da Cargo X envolvendo o agronegócio têm crescido – o avanço foi de 87% neste ano em comparação com 2019 – e a empresa vê grandes oportunidades no setor e no mercado rodoviário do Brasil. Mas há desafios, como os problemas de conectividade e a falta de infraestrutura nas rodovias, observou o CEO da Cargo X.
De fato, a falta de uma boa infraestrutura rodoviária persiste em parte do Brasil, mas houve avanços nos anos recentes, segundo especialistas, especialmente em estradas que ligam a maior região produtora de grãos do país, o Centro-Oeste, aos portos do Norte. A iminente conclusão da pavimentação da BR 163 é um exemplo, disse Edeon Vaz, diretor-executivo do Movimento Pró Logística de Mato Grosso, na live “Logística do Agro na Pandemia”.
Vaz acabou de voltar de um périplo de quase 5 mil km em que passou pelas BRs 158, 155, 230 e 163, nos estados de Mato Grosso e Pará, e disse ter visto avanços “do ano passado para cá”, com estradas apresentando melhores condições para o tráfego de caminhões. Assim, em sua avaliação, não deve haver “problema de transporte nem na BR 163 nem na 158” na próxima safra, o que “dá uma tranquilidade em relação ao escoamento”.
Ele observou que, na safra 2019/2020, “funcionou tudo muito bem”, apesar de alguns entraves no início da pandemia, e a expectativa é que não haja problemas também neste novo ciclo. Além da melhora nas condições das rodovias, o diretor do Movimento Pró-Logística observou que os portos do Norte têm capacidade para atender a demanda atual para exportação de grãos. Além disso, a iniciativa privada vem investindo em aumento da capacidade. “Diria que nessa safra e na próxima ainda não vamos ter problemas com os portos. E nesse período, a iniciativa privada vai estar ampliando suas capacidades”, disse.
Ricardo Medina, gerente de negócios da companhia Docas do Pará, que administra os portos organizados de Belém, Santarém e Vila do Conde, em Barcarena, afirmou, no evento virtual, que a perspectiva é de aumento na movimentação de cargas em 2021. Neste ano, até novembro, esses três portos movimentaram 33 milhões de toneladas. “Os portos não pararam na pandemia. Apesar de toda a agonia, os portos garantiram que a demanda pudesse ser escoada”, afirmou Medina.
Caminhos da Safra é uma iniciativa da revista Globo Rural, que há oito anos faz um diagnóstico da infraestrutura para o escoamento da produção agropecuária do Brasil. A cada edição, as equipes de reportagem percorrem as principais rotas de transporte e conferem avanços e gargalos em rodovias, ferrovias, hidrovias e portos. O projeto é patrocinado pela Scania e em 2020 contou com o apoio da Praticagem do Brasil. O 8º Fórum Caminhos da Safra também é apoiado pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag)
Fonte: Globo Rural